Muito se fala do quanto os relacionamentos na atualidade são transitórios. Saudosistas de um passado recente relembram como os relacionamentos eram mais estáveis algum tempo atrás, talvez se esquecendo que a estabilidade de então não era necessariamente sinônima de felicidade. O que tem sido desconsiderado é que se alguns relacionamentos atuais são mais transitórios, outros ficaram mais sérios, e por vezes duram muito mais do que deveria durar um relacionamento saudável.
Namoro hoje é coisa séria. Quando um casal chega a oficializar o namoro, isso significa que o relacionamento ficou sério, e o que se espera de um relacionamento sério é a estabilidade. A invenção da aliança de compromisso veio dar ao namoro um significado que somente o casamento tinha. Perdeu-se o sentido do namoro como um relacionamento que serve para conhecer melhor o parceiro. Na verdade, esse sentido não se perdeu de fato. Ele apenas foi acrescido de outro: Enquanto há algumas décadas atrás esse ‘conhecer o parceiro’ significava um relacionamento que podia ou acabar a qualquer momento ou durar muito tempo, agora, para se entrar nele, é preciso ter a garantia de que ele vá sim durar bastante tempo.
Se não houver uma garantia de que o relacionamento será estável, a pessoa não se sente à vontade para se envolver. Algumas décadas atrás, essa garantia não existia; ela ia sendo gerada pelos rumos do relacionamento, e mesmo assim a pessoa não via empecilhos para se envolver. Ela se envolvia com o parceiro sem se preocupar demasiadamente com o futuro, e se o namoro viesse a terminar, ela estava livre para namorar novamente e se envolver de novo. É claro que eu estou generalizando. As pessoas nunca foram assim tão “bem resolvidas”. Mas, o princípio que estou discutindo era verdadeiro: Não havia garantia de estabilidade no namoro, e ainda assim as pessoas se envolviam nele, mesmo que viessem a sofrer depois.
As pessoas hoje sentem mais medo de se envolver. Por isso, elas precisam de uma garantia, ou da ilusão de uma garantia. A aliança de compromisso é um dos símbolos dessa ilusão. Entretanto, as pessoas que sentem mais medo de se envolver são justamente aquelas que mais sentem medo de perder o parceiro depois que já estão envolvidas, mesmo que o relacionamento seja sofrível e infeliz. Conseqüentemente, existe nelas a tendência de segurar o parceiro e preservar o relacionamento a todo custo. O relacionamento só acaba quando um não consegue mais olhar na cara do outro. Ironicamente, a estabilidade simbolizada pela aliança acaba sendo conquistada, mas o seu preço é um sofrimento muito maior do que o sofrimento que se queria evitar.
Quem não é livre para se envolver não é livre para se desprender daquilo em que se envolveu. Quem procura garantias para se envolver acaba transformando o envolvimento em dependência, e a dependência é fonte de muito mais sofrimento do que o sofrimento que se pretendia evitar com elas. Alguns relacionamentos de hoje são pueris e transitórios porque as pessoas não confiam mais em ninguém. Acreditam que existe nos outros uma tendência para abandoná-las. Mas, elas não confiam nos outros justamente porque não confiam na própria capacidade de superar o término de um relacionamento e partir para outro. E quem vive assim cheio de medos vai inevitavelmente projetá-los nos outros: “A ameaça vem dos outros, não de mim mesmo.” Por sua vez, alguns relacionamentos de hoje são longos e imaturos por serem baseados na dependência, não no envolvimento. Mesmo o namoro de poucos meses às vezes apresenta o desgaste de um casamento de décadas, e o casal ainda assim faz de tudo para preservá-lo, como se a aliança de compromisso tivesse sido forjada com sangue! A afetividade madura é aquela que é livre para se envolver e livre para deixar ir embora. Parece que nem a nossa geração e nem a geração de saudosistas do passado deu conta de compreender isso muito bem.
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Antigamente sabia-se que não haveria opção (dissolver o casamento) e sem esta opção a obrigação de fazer dar certo - algumas vezes - funcionava.
ResponderExcluir"A afetividade madura é aquela que é livre para se envolver e livre para deixar ir embora"
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